Foi em uma tarde de Janeiro, para ser específico no dia 16, era uma tarde agradável, não estava sozinho, eu estava acompanhado.... estávamos em três: EU, EU MESMO e meu MP4!

Estava esperando por uma pessoa, tínhamos marcado de estudar, pra variar ela se atrasou... Foi então que decidi sentar nas escadas do Cine 9 de Abril. Estavam sujas, empoeiradas e desgastadas, mais venceram a minha disposição de ficar de pé.
Encostei nos cartazes de SE EU FOSSE VOCÊ 2, estiquei as pernas, posicionei a mochila no meu colo e ao som de CODPLAY comecei a observar as pessoas, não por vontade própria, mais pelo momento. Ele proporcionou isso.
Passavam-se homens brancos, homens negros, mulheres magras, mulheres gordas, crianças chorando e pedindo sorvete as suas mães... que preocupadas com seus afazeres não davam muita atenção aos choramingos. Passaram-se aleijados, deficientes mentais, professores, trenzinho da alegria e até mesmo um avião a jato. O mundo estava em movimento. E eu estava ali, parado observando o cartaz do mundo sozinho, aliás, acompanhado do meu querido Mp4
As pessoas que passavam me ignoravam... Paravam, olhavam os cartazes do cinema faziam comentários sobre quais filmes assistir e não percebiam que tinha alguém ali: Eu estava ali !! Era obvio que eu não queria que elas me cumprimentassem, sorrissem ou algo do tipo, não sou nenhuma espécie de celebridade e em nada sou parecido, mais pelo menos um olhar de indignação por eu estar ali... em frente aos cartazes e, atrapalhando suas visões, seu fluxo, entretanto,
NADA!
Talvez eu faria o mesmo, as pessoas no seu dia a dia, na guerra pela sobrevivência e afazeres não percebem mínimos detalhes a sua volta, não percebem detalhes talvez insignificantes a sua vida, detalhes que seriam importantes talvez pra pessoa ao seu lado. E estavamos ali, observando apenas, hora nenhuma sendo o "objeto" observado. Uma garota chegou a dizer para sua mãe: “Olha mãe, ainda está passando SE EU FOSSE VOCÊ 2 podemos vir aqui amanha?”, disse isso como se minha pessoa estivesse invisível, como se eu simplesmente nao estivesse ali, parado, em sua frente, atrapalhando. Parecia que ela tinha a fantástica capacidade de ver além das coisas.
Comecei a notar que praticamente todas as pessoas que passavam por mim estavam acompanhadas, tive uma crise existencial inexplicavel. Todos estavam acompanhados ,o homem branco, o negro, a mulher magra, a gorda, a professora Tânia que por sua vez demonstrava uma alegria ímpar... com seus óculos escuros, mãos cheias de sacolas de uma boutique qualquer, e é claro, acompanhada. Vi também passar um certo Coreano que estudo no meu colégio ano passado e, acredite, nunca vi um coreano tão bem acompanhado e com um sorriso tão largo estampado em seu rosto como se estivesse dizendo:
“ Amo o Brasil, amo as mulheres do Brasil”.
Até que sentou um senhor ao meu lado e logo pensei: "Mais um solitário se sentou nas escadas do Cine 9 de Abril", que estava fechado naquele dia. Entretanto rapidamente constatei que estava enganado... o senhor ao meu lado se levantou e se juntou a sua senhora. Cena bonita aliás. Reflexiva por si só.
Olhei para o outro lado: vi uma cadela deitada de frente ao cartaz do filme
MARLEY E EU, olhava hipnotizada para a foto do cachorrinho no cartaz, como se estivesse pensando no quão solitária estava, assim como EU, exatamente alias ... olhando para o cartaz do mundo, observando o corre-corre das pessoas e me sentindo cada vez mais vazio, sem uma simples frase ou cena no teatro da vida.
Acho que William Shakespeare se equivocou ao dizer: “Se você se sente só, é porque ergueu muros em vez de pontes”, não ergui muros, muito pelo contrário, ergui várias pontes! Sempre fui o cara que falava com todos, era amigo e adorado por todos. E com isso eu provei um pouco do que dizia
David Saleeby: "A maior solidão é aquela que se dá não pela ausência de pessoas, mas pela indiferença da presença delas", percebi de uma maneira única a veracidade em suas palavras, o quão real elas soariam naquele exato momento e, em minha vida.
Pontes? Ah, tenho certeza de que fiz várias. O mundo que por algum motivo tem erguido muros a minha volta, talvez não, talvez seja mais facil eu simplesmente culpa-lo por toda minha amargura.
Renato Russo disse com sua sabedoria impar um dia: Digam o que disserem, o mal do século é a solidão"
E esse mal talvez tenha me afetado.
Acho que a solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo. Mais continuo aqui, solitário como naquele dia, porém prefiro acreditar que estou acompanhado, é melhor, é mais facil. Doi menos. Afinal, estamos em três.....

Sim! Estamos em três! EU, EU MESMO e meu adorável MP4...

Aprendi a olhar lá fora e ver luzes e estrelas, olhar pra dentro de mim e ver um vazio escuro, acompanhado da solidão.

Sabe aquela cadela solitária que observava o cartaz de Marley e Eu? Conseguiu encontrar um parcero e, observei com alegria quando ela atravessou a rua atrás de seu mais novo amante se perdendo no meio daquela imensa multidão....

Eu? Talvez um dia eu vou embora...

Por que ninguém pode continuar com seu Mp4 esperando pra sempre...