Num jogo de palavras, me olho no espelho. Brincadeira tola para jovens bobos, olhar-se no espelho para passar o tempo. E na superfície lisa, lá estou eu. Me vejo e por vezes nem mesmo acredito. Passo alguns instantes – e por que não? – só me olhando, me conhecendo, me compreendendo. Chego à conclusão que não me reconheceria se me visse fora da lisura espelhada. Não saberia quem eu sou se não me repetisse, não me imitasse. Desconheço meu duplo. Não me reconheço nem me conheço.

Continuo me olhando e vendo meus próprios detalhes, que só meus, me reservo exclusividade. "Barba" meia que por fazer, rosto anguloso, pele queimada de sol, que já foi pálida doentia antes, com as marcas patéticas da juventude. Nariz grande, herança lusa, óculos cor de bronze, olhos cor de nada. Na verdade, não de nada, mas normal, castanhos, marrom, corriqueiros, típicos. Ainda assim, meu próprio espelho, que me reflete de novo, ainda mais. e dá medo me ver em meus próprios olhos, me ver em mim mesmo, me ver como me vejo. E mesmo assim, comigo em meus olhos, não me vejo por completo. Curioso.

Passo a vista por meus cabelos... castanhos do nada, como meus olhos. Alguns fios mais lisos que outros, alguns mais claros que outros. Gosto do meu cabelo, cada vez mais. Admirando ele, sorrio. E talvez seja assim que me vejo melhor, sorrindo. Mas sorrisos cativam. E sorrisos enganam.

Me olho, me olho e não me vejo, não me sinto. Não sou eu. Eu sou visto, sou dos outros, que me vêem. No espelho há um estranho que não sente. Eu sinto. Não quero ser o espelho.

Canso de mim mesmo. Fecho a porta do armário e com ela tranco lá dentro a imagem que não sou eu. Saio do quarto, saio da casa, mas não consigo fazer sair de minha cabeça a imagem do reflexo dentro dos olhos. Reflexo de mim mesmo? Será que no espelho lá sou eu?